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Vegetação e solo secos em Minas Gerais

Seca recorde evidencia emergência climática e urgência para evitar futuro sombrio

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Como ficar bem com esse tempo insuportável? Quando vai voltar a chover? E, quando começar a temporada de chuvas, a intensidade será tão grande quanto a seca? Por que enfrentamos uma das piores secas da história? A partir de agora, serão corriqueiros esses extremismos – muita seca, muito frio, muito calor, muita chuva?

Os mais de cinco meses sem praticamente uma gota d’água em Belo Horizonte monopolizam as conversas pela cidade e motivam uma série de dúvidas – e preocupações. Uma constatação, ao menos, é consenso entre especialistas: esses eventos extremos escancaram a crise climática e a urgência de ações para evitar um futuro sombrio.

“A mudança do clima não é para depois, não é uma questão de previsão: é uma questão de agora, já está acontecendo. A gente mudou totalmente a dinâmica da Terra e isso é sem volta. A Terra não vai voltar a ser a mesma”, afirma a Head de Sustentabilidade do BH-TEC e doutora em Ciências/Microbiologia pela UFMG, Camila Viana.

“Com um cenário pouco favorável, teremos cada vez mais manifestações de parâmetros climáticos severos: seja de chuva, seca, frio, vento etc. Extremos cada vez piores. E esses fenômenos nos afetam na disponibilidade de água, nos afetam na saúde, nos afetam de forma econômica: diminuindo ou aumentando gastos”, alerta o professor do Departamento de Geografia da PUC Minas e especialista em climatologia, Alecir Moreira.

O cenário pouco favorável citado pelo professor é caso não tenha mudanças em relação ao cenário atual – ou seja, as ações efetivas urgem!

A Agência de Notícias BH-TEC entrevistou os especialistas para buscar explicações, projeções e soluções.

Confira a seguir!

O que é névoa seca?

Sabe esse horizonte embaçado, turvo, opaco? Isso é a névoa seca. “É a poluição atmosférica visível”, resume Camila Viana.

“A névoa seca é caracterizada principalmente por conter aerossóis: poeira, fumaça, fuligem, sal na atmosfera. Ou seja, partículas de diferentes tamanhos suspensas na atmosfera em função de uma condição de estabilidade atmosférica”, complementa Alecir Moreira.

E a estabilidade atmosférica é o que vive Belo Horizonte há praticamente cinco meses: sem chuva e vento muito fraco. “Então, essas partículas lançadas a partir da atividade humana na superfície vão para atmosfera e tendem a ficar por mais tempo”, afirma o especialista em climatologia.

E as fontes dessas partículas são diversas:

  • queimadas e incêndios
  • queima de combustível fóssil (petróleo, carvão mineral, gás natural…)
  • efluentes atmosféricos de processos produtivos da indústria
  • poeira

Por que essa seca tão severa?

Qual é o principal motivo por enfrentarmos uma das piores secas da história? Desde 1963, não temos um período de estiagem tão longo em Belo Horizonte, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Quem estuda o clima é cauteloso em cravar um grande motivo: apenas estudos focados neste ano que ainda não terminou traria uma resposta mais assertiva.

“Mas existe um padrão climatológico. Em 1963, ocorreu um fenômeno El Niño na Bacia do Pacífico, o que cria padrões de circulação que inibem a penetração de sistemas frontais em Minas Gerais – e no centro do Brasil de uma maneira geral”, explica o professor da PUC Minas.

E isso tende a causar redução do volume de chuva e elevação de temperaturas. “Justamente porque as frentes frias não conseguem romper uma condição de bloqueio atmosférico estabelecida aqui”.

E adivinha o que ocorreu recentemente? Um El Ninõ. O estudioso explica que o fenômeno se configurou no ano passado e se desfez lentamente no início deste ano.

“Em outono deste ano, tivemos a configuração de uma condição de neutralidade no Oceano Pacífico, mas as águas estavam muito quentes – e, nesse caso, existe um tempo necessário para que as águas se resfriem, tanto com a mudança da estação quanto com a desconfiguração do El Niño”, esclarece Moreira, que teve como tema de dissertação de mestrado justamente a influência do El Niño no clima de BH.

Portanto, um dos motivos possíveis para explicar esta seca seria a persistência de um bloqueio atmosférico em cima de Minas Gerais, provavelmente derivado da ocorrência de um El Niño na bacia do Pacífico.

E as chuvas serão tão severas quanto a seca?

Logo após desejar a volta da chuva, surge uma preocupação: mas, se a seca foi tão severa, teremos uma temporada de chuvas extrema? Minas Gerais é frequentemente palco de alagamentos e inundações, além, lógico, das tristes cenas registradas no Rio Grande do Sul.

Mas, enfim, há uma boa notícia.

“Uma coisa não tem correlação direta com a outra. Em 1963, por exemplo, um ano excepcionalmente seco, foi sucedido por uma estação chuvosa de 1963/1964, normal [o período chuvoso é compreendido entre outubro e março]. Então, é difícil fazer essa correlação. Depende de uma série de combinações de sistemas atmosféricos para que isto ocorra”, explica Alecir Moreira.

Mas a La Niña vem aí

Se a relação entre seca e chuva severa não é possível ser feita, o professor alerta sobre uma outra questão para o período de chuvas: “o que temos de concreto, neste momento, é a expectativa de configuração de uma La Niña na região equatorial do Pacífico”.

E, aí sim, a La Ninã influencia nos padrões específicos de comportamento da atmosfera aqui no Brasil – mas não necessariamente com chuvas torrenciais. 

“É esperado que essa La Niña reduza a chuva no Rio Grande do Sul. Depende de como os sistemas atmosféricos vão se combinar para dar uma resposta. Em Minas, o norte tende a ter mais chuva. Já o oeste, principalmente o centro-oeste, tende a ter uma primavera mais seca”, afirma, com base na previsão climática do Inmet.

E o futuro?

A comunidade científica internacional é assertiva sobre a mudança no clima global. “E uma das evidências é justamente a ocorrência de extremos climáticos: sejam extremos climáticos, por exemplo, tanto de chuva, quanto de calor, quanto de frio, quanto de seca… Enfim, extremos de qualquer dos parâmetros analisados”, afirma o professora da PUC Minas.

“Foram colocadas à mesa várias pecinhas que são novas. Então, a gente sabe que a temperatura vai aumentar assim. O padrão mudou. É outro padrão agora”, reforça Camila Viana, Head de Sustentabilidade do BH-TEC.

“Se você for pensar bem, com um tempo seco e as pessoas botando fogo… se tem fogo, menos árvores, se tem menos árvore, menos evapotranspiração, menos umidade injetada na atmosfera… Se você for pensar no longo prazo, isso é um ciclo que se realimenta: é o que se espera de um comportamento de um sistema que depende de inúmeras variáveis”, diz Alecir Moreira.

Os mais diversos modelos climatológicos, criados por diversos institutos, convergem em uma questão: teremos aumento de temperatura aqui e globalmente – em alguns locais, mais, em outros, menos.

Como lidar com a crise climática?

“De uma forma muito ampla, o que a gente pode fazer é entender. É se entender como parte desse sistema todo, como parte responsável pelo que está acontecendo e como parte responsável possível também em buscar um cenário melhor. Mas, para a gente saber como buscar um cenário melhor, a gente tem que entender o presente”, responde Camila Viana.

Os especialistas também são enfáticos: o futuro pode ser modificado, depende das nossas ações hoje. Por isso, o cuidado sempre em dizer que as projeções, caso não tenha mudança, em um cenário ruim, são sombrias.

Mas não são uma verdade imutável.

“O futuro é um cenário em aberto. Mas a sociedade precisa entender o papel fundamental que tem para escolher os nossos legisladores e, também, fiscalizar as ações dele. Os legisladores precisam ter um certo grau de esclarecimento sobre a importância do tema. As empresas da mesma forma: podem ter o lucro, mas têm que ter responsabilidade social”, afirma Alecir Moreira, antes de finalizar:

“Finalmente, a academia: é o grande suporte que a gente tem para fazer as boas escolhas. No sentido das escolhas e das opções técnicas ou tecnológicas. Afinal de contas, é a academia que produz o conhecimento que deverá o subsídio para as escolhas, as melhores escolhas políticas”.

“É um conjunto de fatores que precisam ser observados para a gente garantir um futuro que não seja sombrio para a humanidade”, conclui.

Ação para – e pelo – futuro

Uma das ações focadas justamente nessa urgência é um prêmio lançado pela ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais), em parceria com o BH-TEC, que premia, ao todo, R$ 600 mil para projetos e ideias com potencial enfrentar as consequências ou prever, adaptar ou minimizar as consequências das mudanças climáticas no estado mineiro.

Confira todos os detalhes aqui.

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