Em meio ao caos das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, uma tecnologia resistiu onde muitas falharam. Enquanto sensores convencionais foram destruídos pela força da água, os equipamentos da TideSat continuaram funcionando — e fizeram a diferença para milhares de pessoas.

A startup, fundada em 2021 por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nasceu da vontade de transformar ciência em impacto social. Hoje, leva dados em tempo real sobre o nível da água a comunidades, prefeituras e órgãos ambientais. Um trabalho que, além de reconhecimento técnico, tem rendido prêmios e conexões importantes: a TideSat foi uma das startups vencedoras do Prêmio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e está entre as participantes do programa de aceleração promovido pelo BH-TEC.
De projeto de pesquisa à premiação internacional
A história da TideSat começou dentro da universidade. A equipe — composta por bolsistas de pós-graduação — foi incentivada por seu orientador a transformar uma pesquisa acadêmica em solução prática: um sensor capaz de medir o nível da água de forma remota e segura.
“Em 2020, colocamos a ideia no papel e fomos participar de uma competição internacional organizada por um braço da Agência Espacial Europeia. Era pandemia, tudo remoto, mas vencemos na categoria universitária e conseguimos o primeiro financiamento para tirar o projeto do papel”, lembra Vitor Hugo Almeida, cofundador e COO da startup.

A vitória impulsionou os pesquisadores a trilharem o caminho do empreendedorismo. “Não foi fácil. Transformar um pesquisador em empreendedor exige muito. Mas conseguimos apoio da FAPERGS em 2022, com um edital de subvenção que foi crucial para avançar na prototipagem”, complementa.
Tecnologia colocada à prova nas enchentes do Sul
Foi em 2024 que a tecnologia da TideSat teve seu maior teste — e também seu maior destaque. Durante as enchentes que atingiram Porto Alegre e diversas regiões do estado, os sensores da empresa foram os únicos que permaneceram em operação.
“A maioria dos sensores tradicionais ficou submersa ou foi levada pela água. Os nossos continuaram funcionando porque podem ser instalados em locais mais altos, seguros. Com isso, conseguimos oferecer dados públicos em tempo real para a população e para os governos. Só em um mês, nosso dashboard teve mais de 270 mil acessos.”

A confiabilidade da solução rendeu à startup o Prêmio Pesquisador Gaúcho e o reconhecimento nacional, incluindo a premiação da Assembleia de Minas Gerais.
O dado que salva vidas
Embora entregue um único tipo de dado — o nível da água —, a solução da TideSat é estratégica para ações antes, durante e depois de uma crise.
“Com uma rede de sensores bem distribuída, conseguimos antecipar ondas de enchentes, auxiliar na gestão de abrigos, saber se determinado hospital precisa ser evacuado ou se uma rua vai ficar intransitável, por exemplo. É uma informação crítica que hoje está ausente em muitos lugares”, explica Vitor.

Além da confiabilidade, a proposta da TideSat é democratizar o acesso: com sensores de baixo custo, fácil instalação e dados acessíveis ao público.
Impacto real em comunidades vulneráveis
Um dos projetos mais marcantes da startup tem acontecido em uma escola de uma comunidade vulnerável, localizada em uma das ilhas formadas pelo Guaíba, em Porto Alegre. Nessas áreas, costumam viver famílias mais humildes — e que costumam ser atingidas pelas enchentes muito antes de o centro da capital perceber os efeitos da subida da água.


“A Defesa Civil muitas vezes não consegue chegar até lá ou sequer fazer contato. Agora, com o sensor, os moradores conseguem acompanhar a evolução da água em tempo real. Neste momento mesmo, enquanto conversamos, a região está novamente alagada — e o sensor está lá, ajudando a indicar quando é hora de sair, quando é seguro voltar, ou quando a enchente vai atingir determinada rua”, conta Vitor.
Segundo ele, as próprias crianças estão aprendendo a usar os dados e, com isso, se tornam agentes de mudança em suas famílias. “A escola virou um ponto de monitoramento comunitário. As crianças acompanham os números, avisam os pais, ajudam a tomar decisões. É uma forma de empoderamento por meio da tecnologia,” complementa.
Do Rio Grande do Sul para o mundo
Com provas de conceito já rodando em países como Estados Unidos, Espanha e Canadá — e conversas avançadas com Chile e Austrália —, a TideSat quer agora escalar o modelo de negócio, aumentar o time e internacionalizar a operação.

A participação no programa de aceleração do BH-TEC é parte dessa jornada.
“O programa foi muito assertivo, com temas fundamentais como contratação pública e mensuração de impacto. Foi diferente de outros que já participamos. E ainda nos permitiu articular a tecnologia em Minas Gerais, um estado com desafios hídricos importantes”, avalia Vitor.